quinta-feira, 14 de agosto de 2008

A MÚSICA NO TEATRO DE REVISTA

A Música do Teatro de Revista

Maximiliano Marques

É triste constatar que o Teatro de Revista Musicado Brasileiro, tema que faz parte da nossa cultura popular, é, hoje em dia, uma área desconhecida para grande parte da população. Este gênero de espetáculo musical surgiu no Brasil em meados do século XIX, e, com o decorrer do tempo, foi considerado o mais importante e expressivo gênero no sentido de produção teatral no país, destacando-se principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo. Seu texto concentrava-se na revista, ou seja, na recapitulação dos principais acontecimentos do país no ano precedente da estréia da peça, retratados de forma cômica, política e crítica. Além disso, o Teatro de Revista Brasileiro revelou artistas de renome, que tornaram-se, imediatamente, idolatrados por todo o país. É o caso de Araci Cortes, Oscarito, Grande Otelo, Bibi Ferreira, Mara Rúbia, Virgínia Lane, Renata Fronzi, Carvalhinho, entre outros.

Paralelamente, foi responsável pelo lançamento de ídolos da Música Popular Brasileira, como Ary Barroso, Lamartine Babo e Pixinguinha, que mais tarde passaram a fazer sucesso no rádio e no disco. Ary Barroso, por exemplo, destacou-se em conseqüência da criação de inúmeros sambas para as revistas: O Tabuleiro da Baiana (revista Concurso de Beleza), Bahia (revista Dá-se um Jeitinho), No Rancho Fundo (revista É do Balacobaco), Faceira (revista Brasil do Amor), Risque (revista Há Sinceridade Nisso?), Aquarela do Brasil (revista Não vou no Golpe) e a Baixa do Sapateiro (revista É Xique Xique no Pixoxó).

Apesar de sua trajetória bem sucedida ao longo de mais de cem anos de história, atingindo seu clímax nas produções de Walter Pinto (renovador do gênero), o Teatro de Revista Brasileiro, infelizmente, chegou ao fim, devido, principalmente, à concorrência da televisão, censura e falta de recursos financeiros para montar espetáculos dispendiosos.

Recentemente, preparei um questionário sobre o Teatro de Revista Musicado Brasileiro, tendo o prazer de coletar vários depoimentos de ídolos do gênero: Bibi Ferreira, Renata Fronzi, Carvalhinho, Candeias Jota Júnior e Daisy Paiva, que gentilmente concederam-me a oportunidade de reviver uma área que conquistou não somente êxito nacional, mas também prestígio internacional. Desta forma, gostaria de revelar e compartilhar com os leitores da revista "Pense: Música", alguns trechos inéditos dessa entrevista.

O que foi o Teatro de Revista?

    • Bibi Ferreira - O Teatro de Revista foi uma alegria, onde a crítica política era da maior importância, pois, daí, resultavam os grandes debates cênicos entre os grandes cômicos que levavam ao público as maiores mensagens verdadeiras e aguardavam desse público as maiores gargalhadas.
    • Renata Fronzi - O Teatro de Revista foi um espetáculo musical de grande aceitação popular, que contava com um numeroso elenco.
    • Carvalhinho - O Teatro de Revista foi uma grande escola de comunicação, de onde saíram grandes artistas.

Pense:Música - Além disso, é interessante salientar que o Teatro de Revista Musicado Brasileiro proporcionava o entretenimento, gerava muitos empregos para artistas e técnicos em geral e atraía um grande número de turistas para o nosso país. Saiba, agora, algumas novidades sobre a atuação de artistas nesta área.

Qual foi a sua participação no Teatro de Revista?

  • Daisy Paiva - Eu cantava, dançava e representava. Fui uma vedete. A primeira peça em que atuei, foi "Alô, Alô São Paulo!", no extinto Teatro de Alumínio, em São Paulo. Seguiram-se a esta: "É Bafo de Onça", "Gente Bem do Morro", "Está em Todas", "Coquetel de Revistas", "High Society", "Momo de Bambolê", "Clarins em Rebolado" e outras.
  • Renata Fronzi - Sempre como 1ª figura, nas Companhias do Teatro Recreio, Teatro Carlos Gomes, Teatro Jardel e outros.
  • Candeias Jota Júnior - No início dos anos 50 começava minhas atividades como compositor popular, com o pseudônimo de Jota Jr. e iria acumular, mais tarde, um repertório de quase duzentas obras gravadas. Posso citar algumas conhecidas nos quatro cantos do país: "Sapato de Pobre é Tamanco", "Confeti-Pedacinho Colorido de Saudade", "Lata D`Água na Cabeça", "Favela Amarela", "Garota de Saint Tropez e muitas outras, algumas com parceiros. Lembro-me que ao final de 1951 fui procurado pela atriz Virgínia lane, que queria uma música para o Carnaval. Trabalhamos, eu e meu parceiro Luís Antônio, até que concluímos a marchinha "Sassaricando" e a apresentamos a ela na presença de Walter Pinto, que atuava no Teatro Recreio montando peças de sucesso a cada ano. A música agradou em cheio pela brejeirice maliciosa e animação carnavalesca, o que fazia antever o sucesso que iria alcançar, como de fato alcançou, em todo o Brasil, poucas semanas após o lançamento do disco. Walter Pinto não perdeu tempo e a incluiu na peça que tinha o título de "Jabaculê de Penacho" e que foi trocado para "Eu Quero Sassaricar".
  • Carvalhinho - Eu fiz de tudo no teatro de revistas: atuei neste gênero durante vinte anos. Comecei em 1946 como bailarino do Teatro Recreio e encerrei minha atuação na revista como primeira figura, depois de percorrer todos os teatros do Brasil. Fiz mais de trezentas revistas diferentes, atuando ao lado dos maiores nomes do gênero.
  • Bibi Ferreira - Estreei na revista em 1950 com direção de Chianca Garcia no teatro Carlos Gomes no Rio, tendo Mara Rúbia ao meu lado. A peça chamava-se "Escândalos 1950". O Teatro, porém, pegou fogo e acabou com tudo. No outro ano, montei "Escândalos 1951". Com Escândalos de 50, eram lançados na revista, Jardel Filho e a orquestra tinha regência de Vicente Paiva. Era tudo feito sem microfone.

A música criada especialmente para o Teatro de Revista tornou-se uma especialidade dentro da área composicional?

  • Daisy Paiva - Disso posso falar "de cadeira". Pois, meu pai, Vicente Paiva, foi um especialista nesse gênero. Quando o espetáculo estava sendo criado, o produtor e o diretor o faziam juntamente com o compositor musical. Tudo era estudado minuciosamente. A música deveria "descrever" o que estava sendo apresentado. Às vezes, o coreógrafo também participava. Quando havia um monólogo, ela o acompanhava de acordo com o que estava sendo declamado. Às vezes suave, noutras agressiva, mas sempre presente, ajudando a passar a emoção que o assunto sugeria. Podemos dizer que no Teatro de Revista, a grande "estrela" é a Música, e essa, tem que ser especial.
  • Candeias Jota Júnior - É verdade, tornou-se uma especialidade. Basta citar o magnífico exemplo de Chiquinha Gonzaga, cuja vasta obra musical foi quase toda voltada para o teatro, ganhando depois a gravação sonora e a edição gráfica, projetando-se até no exterior. Há muitos outros exemplos: Paulo Sacramento, José Nunes, Adalberto da Carvalho (elogiado por Villa Lobos), Henrique Vogeler e outros.
  • Carvalhinho - Os grandes sucessos musicais daquela época vinham dos palcos dos Teatro de Revista, porque o público já saía do teatro assobiando as músicas que acabavam de ouvir durante o espetáculo. A música do Teatro de Revista é específica e o compositor tem que ter vocação para sentir a inspiração, vivendo a situação que a música se propõe. Para escrever ou compor para um musical é preciso que o autor tenha intimidade com o trabalho e com o estilo da obra.

Você acredita na possibilidade do reaparecimento do Teatro de Revista Musicado Brasileiro no futuro?

Renata Fronzi - Sim, porque o Teatro de Revista faz parte da história cultural brasileira.

Daisy Paiva - Acredito que sim. O público brasileiro é muito receptivo a esse tipo de espetáculo. Para tanto, basta: um bom empresário (com a carteira bem recheada); um bom teatro, com um palco adequado a esse tipo de espetáculo; do elemento humano não será preciso falar, uma vez que temos grandes artistas para todas as especialidades (músicos, coreógrafos, bailarinos(as), cantores(as), iluminadores, atores e atrizes); um bom patrocínio comercial; ajuda dos órgãos governamentais; apoio da imprensa; muita publicidade e não esquecer da grande estrela: "o público", que deverá ser privilegiado na aquisição dos ingressos.

Pense: Música:

Concordamos imensamente com a visão otimista desses artistas, no entanto, os leitores precisam refletir sobre outras questões. O encarecimento dos espetáculos, a proibição dos cassinos e a falta de segurança nas ruas não são fatores que dificultam o ressurgimento do gênero? Por outro lado, a legalização dos cassinos, aqui no país, poderia contribuir para a volta do Teatro de Revista Musicado no futuro? As universidades brasileiras de música, através do estímulo e da prática do gênero, poderiam ajudar nesse sentido?

As Universidades deveriam incluir uma matéria como composição para Teatro Musical, em seus respectivos currículos de ensino?

Bibi Ferreira - Sim, claro que sim. Porque assim desperta o interesse e o conhecimento da nossa própria obra de Teatro Musicado Brasileiro como Arthur Azevedo, Oduvaldo Viana, Viriato Correia e hoje, a obra magnífica de Chico Buarque de Holanda.

O desenvolvimento do ensino de composição para Teatro Musical no Brasil proporcionaria a formação de estudantes e profissionais na matéria?

  • Candeias Jota Júnior - É evidente. Em um país musical como o nosso haverá sempre a necessidade do ensino de composição musical como corolário do poder criativo de nosso povo. O desfile das escolas de samba é bem um exemplo de espetáculo harmonioso no qual a música tem papel preponderante.
  • Daisy Paiva - Sem dúvida. No momento em que formamos esse tipo de profissionais, estaremos dando ao nosso público, uma qualidade melhor de diversão. Conforme já comentamos, a música dirigida ao Teatro Musical, é bem diferente da que ouvimos normalmente nas rádios. Mas, geralmente após o sucesso de um grande musical, uma ou outra música tem lugar garantido nas gravadoras. O povo brasileiro é muito sensível à boa música. Inspiração é um dom divino, mas quando se tem conhecimento musical, une-se o útil ao agradável.


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